Sempre fui meio CDF, me preocupava muito com as notas que iria tirar na escola principalmente porque acompanhava o quanto meus pais batalhavam para me manter em colégios bons. Parte de mim, sentia culpa por ainda não poder trabalhar e outra parte me dizia então que a melhor maneira de honrar isso era dando valor ao que eles estavam fazendo pelo meu futuro.
Com isso nunca tirei nota vermelha na vida, até meus 14 anos de idade ganhava diploma de mérito e era sempre a querida dos professores. Fui oradora das formaturas que participei e sempre era líder de sala. Ganhei amigos e inimigo nessa, mas quem nunca?
Quando cheguei aqui em Buenos Aires sabia que a coisa iria mudar primeiro pelo idioma e segundo pelas matérias (História argentina, Geografia argentina, etc). Mas eu não sabia de nada
inocente. Idioma, por incrível que pareca, nunca foi um problema exceto nas aulas de gramática e ortografia, mas meu maior desafio foi me acostumar a um novo modelo de aprendizado.
É bem comum aqui na Argentina que você encontre pessoas de 30 anos recém formadas na primeira faculdade. Além do fato que eu já comentei aqui antes de que não existe essa cultura de corporação e carreira como temos no Brasil, a faculdade aqui é fácil para entrar mas difícil para sair.
Faculdades públicas e particulares não tem vestibular. A UBA, maior e melhor universidade pública daqui, tem o CBC (Ciclo Básico Comum) no qual durante um ano você tem determinadas matérias para aprovar e com isso entrar daí sim no curso que quer. Como se fosse um curso de peneira, basta aprovar. Mas aprovar... É outra coisa. Já nas faculdades particulares, apenas uma prova é aplicada e com isso você entra no curso. Não é por ranking, na realidade essa prova é mais para provar que voce está apto para cursar algo, não influencia muito.
Enfim, o que muda mesmo é o método. Sarmiento foi Presidente da Argentina entre 1868 e 1874, só com ele a educação ganhou um panorama maior. Durante seu governo ele incentivou a imigração e trouxe muitos educadores europeus ao país. A ideia do Sarmiento era atualizar a Argentina com práticas de ensino e educação digna de países desenvolvidos. Nisso ele construiu escolas e bibliotecas públicas, duplicou a quantidade de estudantes durante seu mandato. Logo depois o Presidente Roca fez as primeiras leis nacionais de educação. Além de várias outras políticas educacionais o que eu posso dizer disso é que Argentina sempre teve um dos melhores sistemas de ensino da América Latina, juntamente com Cuba hoje e Uruguai. Fico bem feliz de poder ter concluído Ensino Médio e Superior aqui.
Agora você me pergunta: como é no dia a dia isso? Pois bem, aulas são para debate, não são didáticas e o esquema "te vira" é aplicado não só em faculdades públicas, mas particulares também. Eu nunca tive, por exemplo, apresentação de PPT na faculdade aqui. Sempre tinha que ler muito antes de ir para a aula caso contrário ficava perdida. Na aula, meus professores não reviraram a teoria que eu tinha que ter estudado, a aula era DEBATE. Argentino ama debater, ama brigar pelos seus pontos de vista, ama dar opinião. Confesso que era difícil dormir em aula, por exemplo, porque realmente elas eram interessantes (isso aplico tanto na faculdade quanto no colegial também, mas em menor escala - ainda que nunca vi uma apresentação de PPT no colégio tampouco). Fora isso você se vira com tudo: como fazer trabalho prático, onde conseguir tal livro, arranjar tempo para dar conta de ler toda a bibliografia, etc.
Para as provas o conteúdo da aula não bastava. A média de aprovação é 4, mas para tirar 4 você tem que ter 70% da prova aprovada e para tirar 10 tem que arrasar muito. Já houve um caso no qual eu tirei 5 e a prova inteira estava correta mas não tinha a profundidade suficiente que meu professor exigia.
Aqui, na minha faculdade pelo menos e na maioria, você tem que aprovar a cursada da matéria e as provas. Ou seja, durante a cursada da matéria você pode vir a ter duas provas parciais aprováveis com nota 4. Aprovados os dois parciais, o exame final é obrigatório (isso mesmo). E o exame final engloba tudo o que você viu na cursada e pode ser oral ou escrito, ou ambos. Em raros casos algumas matérias podem ser promocionais. Isso quer dizer que caso você aprove os dois parciais com mais de sete pode não precisar fazer a prova final, geralmente nesses casos as matérias escolhidas para tal benefício são fáceis (Inglês, Teologia, Informática, etc). Mesmo que as notas parciais tenham sido boas, o que fica na sua grade curricular é a nota final e a média então no final da faculdade pode não ser a melhor. A maioria das matérias aqui são semestrais, mas algumas podem ser anuais, o que fazem as provas finais serem impossíveis de aprovar.
No caso de desaprovar um parcial você pode recuperar. No caso de desaprovar ambos, dependendo da faculdade, você tem que recursar a matéria. Já no caso de desaprovar uma prova final você pode recuperar duas vezes. Mas não seguidas, isso quer dizer que se em Junho você tentou e não conseguiu, só vai poder tentar outra vez na segunda época do ano de provas que é no final do ano. Isso é mega ruim porque passados seis meses você já não lembra mais da matéria e prejudica muito porque muitas delas são correlativas, sem um final aprovado você não consegue cursar outra matéria e vai tudo enrolando. Atrasando mais ainda.
Cada matéria demanda muito tempo e dedicação e a vida fica bem impossível quando você trabalha e estuda ao mesmo tempo. A maioria dos argentinos sai cedo de casa e para pagar aluguel tem que trabalhar, faculdade aqui é mais barato que no Brasil mas não é grátis (fora as públicas). Cada ponto desse atrasa bastante a graduação, mas você entende isso mesmo quando estuda no sistema deles. Aqui não rola estudar dia anterior, não rola inventar coisas na prova (alguns professores até dizem que se você escrever mais do que deve ele não vai ler), não rola não ser objetivo: ou você sabe ou não sabe, não tem muito jeito.
Juro que até começar a estudar aqui eu não amava aula, porque era tudo monótono, sem graça. Já falei nesse post aqui que meu melhor professor da vida foi Jesus no colegial. Ele dava (dá ainda) aulas de Literatura. Houve um dia que ele nos mandou fazer um exercício de ortografia sem explicar a teoria porque "
a esa altura de la vida ya la tienen que saber". Isso raramente aconteceria em salas de aula no Brasil, né? Ele preferia gastar as aulas dele divagando pela arte que é a Literatura, fazendo mapa da Odisseia, exercícios de interpretação de texto literais, investigando a vida dos autores dos livros para poder entender o drama entrelinhado em cada parágrafo. Eu amava aquilo e sinto falta até. Mesma coisa na faculdade. Que vontade de começar um curso de novo.
Enfim, você sai do curso sabendo mesmo. Na marra. Caso contrário não sai da faculdade.